Beneficiários do INSS vão à Justiça por dano moral pelos cancelamentos indevidos

Juízes têm concedido indenização em casos de cancelamentos indevidos de benefícios ou fraude

m 2001, após o falecimento de seu marido, Maria Amélia passou a receber pensão por morte do INSS, o Instituto Nacional do Seguro Social. O benefício foi depositado em sua conta até 2013, quando cessaram os pagamentos. O motivo? A autarquia desconfiava que Maria Amélia também havia falecido, e por isso não teria mais direito à pensão.

A história aconteceu com uma beneficiária do Piauí. Maria Amélia entrou com uma ação na Justiça, conseguindo não só a retomada do benefício, como o pagamento de uma indenização ainda pouco conhecida por muitos brasileiros: o dano moral previdenciário.

No caso de Maria Amélia, o dano moral foi reconhecido porque o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, considerou que não havia “motivo justificado” para o cancelamento do benefício. Segundo especialistas, esse tipo de dano ocorre quando atitudes do INSS geram transtornos ao beneficiário.

De acordo com a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, é o caso, por exemplo, da mulher que perde o filho porque o INSS não reconheceu a gravidez de risco, ou da pessoa que, após ter um auxílio suspenso, foi parar em algum cadastro de proteção ao crédito.

A demora na concessão de benefícios, porém, não entra nessa categoria.

Vulnerabilidade

Segundo advogados, o dano moral é aquele que não atinge um bem patrimonial, mas viola a honra, a saúde, o psicológico ou o emocional da vítima. Não se pode considerar dano moral o mero aborrecimento ou descontentamento. É preciso que esteja presente a dor, o sofrimento ou a humilhação, gerando desequilíbrio e perdas, normalmente irreparáveis.

“A ideia do dano moral não é tornar ninguém rico, ele é pensado em caráter punitivo e educativo. É uma maneira de mostrar ao INSS que, enquanto ele não melhorar esses aspectos e observância às normas, ele será punido monetariamente”, afirma o advogado Theodoro Vicente Agostinho, coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários (IBEP) e conselheiro suplente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Agostinho é um dos autores do livro “Dano Moral Previdenciário – Um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais”. O advogado verificou um aumento no número de sentenças deferindo os pedidos de dano moral. O acréscimo, segundo ele, decorreria de uma “questão estrutural, como falta de treinamento dos servidores da autarquia, de orçamento para a melhoria das agências do INSS e o déficit de conselheiros” afirma.

Os casos são dos mais variados – vão desde cortes indevidos de benefícios até fraudes. “Tive um cliente que não quis receber o benefício porque achou pouco e resolveu contribuir por mais alguns anos. Quando foi receber descobriu que o INSS pagava o seu benefício para outra pessoa, que praticou fraude”, afirma a advogada Maria José Gianella Cataldi, do Gianella Cataldi advogados associados.

A presidente da Comissão de Seguridade Social da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) Riedel Thais Riedel lembra que as irregularidades ocorrem em momentos de vulnerabilidade dos beneficiários.

“Normalmente acontece quando a pessoa está doente, numa fase delicada. O INSS precisa se equipar e melhorar, para dar uma assistência boa e não submeter a pessoa à situações constrangedoras, que podem lhe causar o dano”, afirma.

Nascimento prematuro

Exemplo de dano moral previdenciário foi julgado pelo TRF da 2ª Região (RJ e ES) em março. A 5ª Turma Especializada do tribunal analisou um processo envolvendo um homem que conseguiu uma ordem judicial para que o INSS concedesse o benefício. Mesmo com a decisão judicial, o INSS demorou dois anos para iniciar os pagamentos, e após a implementação, suspendeu os depósitos por mais de três meses.

O tribunal concedeu indenização de R$ 19,2 mil. “Tem-se que a angústia e os transtornos decorrentes de tal evento [não implementação do benefício] não podem ser qualificados como meros aborrecimentos do cotidiano, configurando o dever de indenizar”, afirmou a juíza Carmen Silva Lima de Arruda, relatora do processo.

Outro caso, mais extremo, foi julgado pelo TRF da 4ª Região (sul do país) em junho de 2016. O processo envolvia uma empregada doméstica que passou por uma gestação de risco em 2014, sendo orientada por seu médico a ficar em repouso absoluto.

A mulher procurou o INSS, pleiteando um auxílio-doença, mas o benefício foi negado por “não constatação de incapacidade laborativa”. Ela não conseguiu deixar de trabalhar, o bebê nasceu prematuro, mas faleceu em seguida.

O caso foi analisado pelo desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior, que deferiu uma indenização de R$ 80 mil, entendendo que o ocorrido não foi, conforme defendia o INSS, apenas um “dissabor”.

“Do conjunto probatório é possível verificar que a autora já havia abortado duas vezes no ano de 2009 e, quando no ano de 2014 engravidou novamente, fez de tudo que estava ao seu alcance para chegar ao final da gestação, inclusive ajuizou ação para recebimento de auxílio-doença. Tal situação demonstra a grande expectativa da autora com o nascimento do bebê e a dor de tê-lo perdido”, afirmou o magistrado.

Em primeira instância, a decisão favorável à mulher foi fundamentada no artigo 37 da Constituição Federal, que define que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Outro lado

Sobre o tema, o INSS afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “o pedido de dano moral veiculado em ações previdenciárias ou o ‘dano moral previdenciário’ em verdade possui uma multiplicidade de causas de pedir distintas, que permitem a utilização de diferentes argumentos de defesa pela Advocacia-Geral da União”.

A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o INSS judicialmente, afirmou que “em geral, a defesa do INSS se pauta na inexistência do dano moral pela ausência dos próprios requisitos para a configuração da responsabilidade civil, material ou moral, do Estado – ato ilícito, nexo causal, dano efetivo, excludentes da obrigação de indenizar”.

O órgão informou ainda que “há casos em que, inclusive, é o próprio segurado quem dá causa ao indeferimento ou à suspensão do seu benefício. São as hipóteses, por exemplo, em que o requerente sequer comparece à perícia médica agendada ou não instrui adequadamente o processo administrativo para a concessão do benefício (faltam documentos, etc.), o que enseja o indeferimento”.

Também há casos, segundo a AGU, que o beneficiário deixa de levantar os valores depositados por mais de 60 dias, o que possibilita a suspensão do benefício. “Nessas hipóteses, o INSS demonstra em juízo que não é possível estabelecer um elo causal entre a conduta administrativa e o eventual dano moral alegado pelo autor, pelo que é impossível a responsabilização da Administração Pública para o pagamento de indenização”, diz a AGU.

Demora

A advogada Thais Riedel, que atua em casos envolvendo pedidos de dano moral previdenciário, recomenda que o requerimento relacionado ao benefício e o de indenização seja feitos em processos distintos.

“O ideal é o advogado entrar com a ação e requerer o benefício ao demonstrar o equívoco do INSS. E, depois de ter uma decisão judicial que confirme o erro por parte da autarquia, ajuizar uma ação autônoma de danos morais”, afirma.

Theodoro Vicente Agostinho salienta que o valor das causas varia entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, podendo ser maior em casos extremos, como o da mulher que perdeu o bebê.

A má notícia para quem já esperou horas e horas em filas intermináveis do INSS é que a Justiça vem considerando que a simples demora na concessão do benefício não justifica indenização por dano moral. Foi o que decidiu o TRF-1 em maio, após analisar um pedido nesse sentido.

O juiz federal Rodrigo Rigamonte Fonseca considerou que “não caracteriza ato ilícito, a ensejar reparação moral, o indeferimento administrativo de benefício previdenciário, ou o seu cancelamento, ou a demora na sua concessão, salvo se provado o dolo ou a negligência do servidor responsável pelo ato, em ordem a prejudicar deliberadamente o interessado”.

Jane Berwanger confirma que a jurisprudência segue nesse sentido, mas considera que a demora também deveria motivar o pagamento de indenizações por dano moral. “Talvez se houvesse a condenação [a concessão do benefício] não demorasse tanto”, diz.

Reforma da previdência

Especialistas apontam que o cenário relacionado aos pedidos de dano moral previdenciário pode ser alterado com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, que traz a reforma previdenciária. Para advogados, a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional tem potencial de aumentar o número de casos sobre o tema.

A PEC, que visa dentre outros pontos aumentar o tempo de contribuição de 15 para 25 anos e elevar a idade mínima para aposentadoria, poderá mudar a percepção dos segurados, segundo a mestre em Direito Econômico e Previdenciário Ana Paula Fernandes.

“A reforma em si não vai ensejar o dano moral, o que vai acontecer, provavelmente, é a mudança da consciência do segurado da previdência, porque ele vai ficar mais desassistido e procurar os direitos que têm. A mudança da previdência trará leis mais duras e maior dificuldade de acesso aos benefícios”, afirma.

O advogado trabalhista e previdenciário José Augusto Lyra acredita que há pontos na reforma que possivelmente vão gerar mais casos de danos morais. Um exemplo seria a mudança da pensão por morte.

“Se hoje alguém falece e tem três dependentes o valor da pensão é dividido pelos três, se um deles atingir 21 anos e perder a pensão a sua parte será revertida para os demais. Na reforma essa reversibilidade não existe” afirma.

Para o advogado, a reforma da previdência não resolve o maior problema, que é o próprio sistema. “Uma solução seria descentralizar o sistema, já foi comprovado ao longo do tempo que a figura centralizada do INSS não funciona. O sistema está falido, temos que pensar na possibilidade do modelo abrir, como foi proposto na Emenda Constitucional 20/1998”.

O artigo 194 da EC 20 propõe um caráter “democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados”.

 

FONTE: Correio Forense

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